sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Trecho do livro "Eternidade"


O shopping está cheio, véspera de natal. Pessoas indo e vindo. Alguns sentados, conversando, esperando, olhando, pensando, comendo, passando tempo. Outros diante de vitrinas com artigos caros e desejáveis. Vez por outra toca um celular. Som quase imperceptível, dado o acúmulo sonoro da multidão. Sorrisos, gargalhadas, choro, gritos, murmúrio, som de passos e músicas.
Até o nome é tedioso de se dizer. Que nome? O nome de festas consagradas pelo mundo cristão. Estas foram recheadas, ao passar do tempo, com fábulas, mitos, dogmas e fantasias. Tornaram-se irreais. Ou pior, dias de festas imaginadas. Tanta tolice era somada a uma data importante, que a mesma findou-se em um momento vazio. Natal e Dia das Bruxas têm o mesmo valor. Embora, Jesus exista, e as bruxas não. Bruxas, não passam de folclore acerca de modos e estilos de pessoas que tendam para o sobrenatural e para o misticismo.
O natal se tornou algo desgastante. Tanto se massacrou a mente popular com o mesmo costume, com as mesmas atitudes, preconceitos, mitos, frases, que já não é algo mágico ou extraordinário. É apenas uma data hipócrita e entediante. Foi esvaziada pelas crendices populares. O aniversariante é menos importante que: a ceia, as festas, amigos ocultos, presentes, discursos... Quem é completamente ateu participa das festas pelas festas e quem é cristão faz o mesmo. Apenas mais um evento social.
No meio da multidão alguém se sente só. Um deserto, ou aquela multidão era a mesma coisa. As pessoas se ensimesmaram na mediocridade de seus dias sem reflexão. Prosseguiram os costumes e atitudes herdados de pais, avós e ancestrais mortos e ignorados. Prosseguiram sem refletir que: aqueles hábitos não foram vantajosos para os que se foram, por quê seriam para os que já viviam em outras comunidade, com outras circunstâncias.
A solidão, que causa tem? A multidão. Sim, a multidão que se vai alienada do próprio mundo em que vive. Hipócrita, acha que tudo está bem. Goza de paz. Paz forjada pela ignorância. Não está próximo da multidão o bom senso. “Se posso, por quê não?”.
Toda aquela prepotência isolou aquele alguém que se angustiava. Ele fora tocado pela própria existência, e não viu sentido na vida... nas coisas.
Três garotas adolescentes passam e olham curiosas um corredor lateral. O movimento foi rápido e elas voltam alegres e sorrindo. Uma comenta que o garoto esta lá. As outras ficam excitadas, também querem ver. E a ação se repete. O desejo domina cada uma das sete adolescentes. O rapaz, que provavelmente era o desejo de apenas uma delas, passou a ser a paixão de todas.
Um rapaz discute com o outro em baixo tom de voz. Sentia-se lesado e queria compensação.
Uma garotinha olhava uma vitrine com desejo nos olhos. A mãe agarra a garota e diz que o artigo estava além de suas possibilidades.
Uma moça passa chorando. Seu namorado pôs fim ao namoro de três anos. Descobrira que gostava de outra garota.
Em uma lotérica alguém gasta duas vezes o próprio salário.
Um casal passeia de mãos dadas. Enquanto a esposa olha as vitrines, o marido repara nas moças, curvas, pernas e vestidos. Sua mente viaja nos desejos quase ocultos.
Um rapaz tenta roubar uma carteira no balcão de uma loja. Sai sem nada. Ninguém percebe a ação. Todos se sentem seguros.
O dono de uma loja repreende o vendedor. Culpa-o do prejuízo que teve. Não percebe que o rapaz é inocente.
E assim, cada rosto traz uma emoção: felicidade, tristeza, alegria, angústia, depressão, esperança, exclusão...
Ninguém percebe o todo. Egoísmo e injustiça andam juntos.
Tanta injustiça. Tanta cegueira. Todos pensando que são justos. Que podem julgar os outros. Todos pensando que controlam seus destinos. Que o outro sempre está errado. Que o Eu é muito importante e inatingível.
Em sua mediocridade uma pessoa magoa a outra. Então chega uma ocasião de festa como aquela. E todos querem demonstrar apresso, dando presentinhos. Presentinhos estes escolhidos com base em uma série de preconceitos pessoais. Quando alguém presenteia outra pessoa, não pensa no que fez de bom ou ruim a ela. O costume está acima das relações.
Com estas reflexões alguém se isolava. Sentia-se só. Massacrado pela vida. Não encontrava ninguém que participasse dos mesmos sentimentos.
A pressão emocional irá adoecé-lo. Antes do que imagina a carne irá cobrar o preço da vida. E ele será mais um dos tantos que partiram sem respostas.
A vida é curta, e a consciência não serve para nada. Viver cada momento intensamente é o que importa. Refletir sobre a condição humana não muda nada. Sempre haverá diferença nos estágios humanos. Pessoas com mais e pessoas com menos. Pessoas governadas e pessoas que governam. E um abismo entre os dois extremos.
O sentimento daquele alguém na multidão foi crescendo. Via os outro e se percebia não fazendo parte da vida deles. Ele se perdia nos próprios pensamentos. Não era o rapaz que as garotinhas estavam admirando. Não era o patrão que possuía muito dinheiro e posição social privilegiada. Não era a pessoa que se regalava com comidas apetitosas. Não tinha a companhia de amigos que o fizesse rir e sentir-se importante. Ninguém reparava nele ali. Ninguém tinha interesse em saber o que se passava em seu interior. Ninguém deixaria sua vida medíocre para participar de uma descoberta tão revolucionária.
Olhou para o passado e viu que ele não brincava com as outras criança, assim como também elas não brincavam com ele. Todos brincavam sozinhos. O outro era apenas mais uma parte dos brinquedos. Mais um elemento que precisava estar presente para que a emoção de brincar se sucedesse.
Todos tinham que se adaptar a todos. Os filhos aos pais. Os pais aos filhos. Todos a comunidade e esta, por sua vez, a todos.
A necessidade do outro existia. O outro, porém, nunca seria o complemento. O outro precisava partilhar as sensações, os desejos, os sonhos, os momentos, as alegrias, os grandes feitos. Ninguém assim parecia existir.

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