domingo, 28 de dezembro de 2008

O dilema do Amor


"Jaz"
do Lat. jacerev. int.,
estar deitado;
estar morto;
estar sepultado;
persistir, permanecer, estar quieto;
estar situado;
estar posto;
ant.,
estar vaga (a herança), ser jacente;
s. m.,
jazida.

Hoje visitei um cemitério. Não vejo mística na morte. Para mim é algo simples e inevitável. Nada de medo. Nada de tristeza. Só mais um estágio da vida.
Oxalá ninguém falecesse. Mas esta etapa, dizem alguns, é uma das poucas coisas partilhadas por todos sem privilegiados.
O que me moveu nesta visita foi uma lápide "Aqui jaz Benetido... Maravilhoso Marido, honrado filho, admirado pai, fiel amigo, decente cidadão, devoto paroquiano, amado por todos. Deixas saudade e lembranças carinhosas de todos. Levas o que fostes para todos".
Huum, penso que poderiam ser dizeres falseados. Coisas que as pessoas dizem por educação ou respeito em celebrações fúnebres. Depois de falecido, todos se tornam santos. A memória do mal parece automaticamente apagada.
Porém, sendo justos e verdadeiros todos os dizeres, começo a preocupar-me.
O que tenho feito para que as pessoas a minha volta lembrem-se de mim quando eu morrer?
Isto não parece algo importante. Afinal, estarei morto mesmo!
Mas, tirando a insensibilidade de lado, quantas pessoas realmente me amam? Quantas estão gratas? Para quanta sou indispensável? Quantas se inspiraram em mim para fazer coisa boas? Quantas salvei? Quantas amei? De quantas cuidei com amor e carinho?
Creio que estas perguntas feitas por mim e para mim não são tão ofensivas. Porém quando se trata de outra pessoa, tudo torna-se mais agressivo.
De repente alguém chega e diz:
- Acy Reis, o que você fez de bom nesta vida?
Ou
- Acy Reis, sua vida valeu a pena?
Eita! Questão crucial.
Não sei responder. E foi pensando nisto que decidi empreender uma maratona. Sim, uma maratona pro “Acy Reis”. O objetivo é tornar-me uma pessoa amada.
Logo de cara descobri um dos maiores obstáculos: a falta de amor no mundo a minha volta.
As pessoas estão tão cheias de ódio e rancor que até abordar alguém na rua para perguntar endereço é perigoso.
Um dia deste passei numa rua e havia criancinhas brincando de “Betim”. Diminuí a velocidade para não machucá-las. Até aí tudo bem. Quando menos esperava uma criança bateu com o Betim na lata do carro. E as outra faziam a mesma coisa, gritanto “Saí logo Zé buceta”, “Ô filho da puta, a gente qué bincá”. Total desrespeito. Elas nem podiam compreender que eu diminuíra a velocidade para não machucá-las.
Também observei que um vizinho falava coisas desagradáveis a meu respeito. Ele nem sabia meu nome, sequer tinha intimidade comigo, mas levantava falsos testemunhos a meu respeito. Ignorei. Mas fiquei sentido, magoado.
As vezes tentamos fazer o bem aos outros. Mas, o mal que alguns praticam torna todos suspeitos, “os justos pagam pelos pecadores”.
Então o desafio de ser amado pelo mundo é algo sobrenatural.
Até Deus tem dificuldade de ser amado por todos. Sem motivo há os que o odeiam. O símbolo do cristianismo Jesus Cristo Morreu crucificado.
Resta uma questão de extrema importância: o que torna uma pessoa amada? Ajudar todos? Ser amável com todos? Fazer o bem aos que perseguem? Virar a outra face? Dizer sempre a verdade? Tentar fazer sempre o bem?
Ora, ora! Outra encruzilhada filosófica. Ninguém é dono da verdade. Ninguém sabe o que realmente é bom para os outros. A justiça é algo complexo. Às vezes uma pessoa é prejudicada pelo bem de todos. E isto não acho justo. Mas, todos serem prejudicados por causa de uma pessoa também não é justo.
Portanto, o quesito justiça inviabiliza a amor. Quantas pessoas não odeiam os representantes da lei por julgarem-se injustiçadas. Mas a autoridade só estava fazendo bem seu trabalho.
Cada reflexão estava me deixando mais longe de meu objetivo.
O desânimo foi tomando conta de meu coração.
E agora? O que fazer?
Sim, não posso conquistar o amor de todos. Mas, talvez possa alcançar o amor de um grande número de pessoas. Talvez as pessoas mais sensatas, que saibam o que é amar possam me amar.
Por que me amariam? Esta questão é pertinente. Pois, se eu tivesse algo para oferecer-lhes, não me amariam por amar. Meu amor seria algo comprado. Uma troca. Recebiam algo de mim e em troca me amariam. Definitivamente, isto não estaria certo.
Então resolvi desafiar as pessoas: QUEM CONSEGUE ME AMAR SEM RECEBER NADA EM TROCA? Amar por amar?

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

O Artefato - trecho inicial


“Alguém aproximou um lampião. Todos ficaram boquiabertos, o objeto era sem dúvida fabricado pelo homem, mas a milhões de anos. Gilberto, um dos arqueólogos, sugeriu que o objeto poderia ter sido plantado no sítio arqueológico. A doutora Marta Pirtinine, geóloga, discordou. Segundo ela, o local estava inacessível até que nós chegássemos lá. Foi preciso o uso de explosivo, o que não é muito convencional, para abrir a passagem. Seja lá o que causou o desmoronamento da passagem ocorreu a milhões de anos e a água das cheias do rio se encarregaram de expor aquela entrada ainda semi-obstruída. Neste momento Gilberto se silenciou.”
Com este depoimento o doutor Adillamare tenta se esquivar dos crimes cometidos, e atribuídos a ele. O tribunal está perplexo, crê que o professor está criando uma grande mentira para acobertar o que fez.
Corria o ano de 1976. Adillamare é o arqueólogo responsável pelos estudos no interior do Brasil. Segundo algumas crenças, o brasil já fora habitado por civilizações humanas de altíssimo conhecimento tecnológico. No intuito de comprovar esta hipótese o arqueólogo se deslocou para a Chapada dos Veadeiros.
Adillamare sempre foi determinado e detalhista. Nunca desistia. Sua infância se passou entre livros e caminhadas pelos campos. Gostava de passear sozinho e descobrir coisas escondidas. Mas o que definiu seu futuro profissional foi a descoberta de uma peça sacra, desaparecida no tempo do império. O objeto estava escondido em uma pequena gruta próxima a um riacho. O professor, na época um menino, desconfiou de uma construção antiga oculta no mato. O local explorado era um sítio de um comerciante. O garoto não perdeu tempo em informar o padre da igreja local acerca da descoberta. O comerciante foi detectado e a peça recolhida ao museu. O turismo aumentou, bem como a renda da cidade. O garoto recebeu uma bolsa de estudo e pode se formar com honras em arqueologia.
Para a expedição a Chapada dos Veadeiros o professor contou com a ajuda de figuras importantes no cenário aqueológico.
Tudo corria bem até que algo inesperado aconteceu. Pelo depoimento que teve de repetir uma centena de vezes o mundo passou a conhecer o professor. Dillamare se tornou uma lenda entre os criminosos do mundo inteiro. Nas penitenciária todos os ladrões começaram a tatuarem em seus ombros um esqueleto cujo crânio tinha as feições do arqueólogo Professor Doutor Dillamare. Por que isso? É só acompanhar o depoimento do início...
“Meritíssimo Senhor Juiz, estive todo o tempo em expedição na Chapada dos Veadeiros. Como pode comprovar o povo da cidadezinha que nos acolheu. Portanto, não tive parte em nenhum dos furtos atribuídos a mim. Mas posso dizer quem os fez. Antes, porém, devo narrar os fatos ocorridos junho deste ano.”
No tribunal estava presente pessoas de várias partes do mundo. Muitos deles banqueiros, empresários, museólogos e outras personalidades ricas e expressivas.
“Quando empreendi a busca por civilizações perdidas no interior do país, não procurava apenas civilizações indígenas. Antes nossa tarefa era encontrar civilizações como a dos Maias, Astecas e Incas. Partimos do princípio de que se em outras partes da América existiram povos de conhecimento arquitetônico avançado, por que que não aqui, no Brasil?”

sábado, 29 de novembro de 2008

O dilema da criação de valores - continuação


A tendência natural é querer sempre mais e mais. O que foi conquistado nunca é suficiente. Quem conquista mais tem mais “status”. Que fica estagnado acaba no ostracismo: desprezado, discriminado.
Perceber que suas ações são incoerentes é quase impossível. Uma cegueira protetora forma-se. Pois pior do que enxergar-se com um ser egoísta é sentir-se excluído.
Portanto, mesmo que alguém perceba que seus atos não são éticos, incluir-se será mais importante. E apoiar o grupo em suas ideologias mais condizente.
Tanto faz viver isolado em uma ilha ou no centro de uma grande metrópole. A questão não é o que se faz com a vida, mas que todos vivem não importa que estilo escolha. Ter ou não ter não muda a necessidade de lutar pela sobrevivência e sentir prazer.
Se o vazio que cada um sente não for ocupado por uma atividade qualquer é certo que a loucura tomará lugar. Ninguém consegue vencer a ausência de sentido da vida. Uns recorrem à religião, outros ao trabalho, há os que preferem o lazer, romances, noitadas, companhia de familiares ou amigos, ou criar um hobby.
Mas isolar-se em reflexões pode ser perigoso. E nem todos têm estrutura para tanto.
Nada é realmente importante. E ao mesmo tempo tudo é importante. É o paradoxo do tudo ou nada.
É preciso acreditar em algo para poder lutar. Mas toda construção só tem valor emocional e teórico. A terra ou o universo não estão gratos por nada que alguém venha a criar.

O dilema da criação de valores


A construção da vida é inútil.
Qualquer escolha leva a nada.
Tanto faz ser um líder poderoso, um artista famoso, ou um humilde funcionário de uma fábrica. Todos são iguais perante as leis da natureza.
A catástrofe se abete sobre elite ou povão. Tanto ricos quanto pobres são vítimas indefesas da ordem inexorável dos limites: acidentes, morte, mutilações, depressão, doenças, violência, infortúnio, miséria, perseguição, desgosto, decepção, perda, fracasso, medo, desespero, obrigação, luta pela vida, solidão, abandono e amargura.
Porém, nenhumas destas coisas teriam valor se não houvesse quem cresse em tal valor.
Todos os dias, milhares de pessoas sofrem acidentes de trânsito. Mas, só uma pequena parcela emociona-se com os acidentados. Normalmente parentes e amigos.
Quantas pessoas falecem diariamente. Mas o mundo todo chora por estas? Claro que não. Só seus entes mais próximos.
Por que só há preocupação e sofrimento por aqueles com quem se tem intimidade? Ora, é simples, por que chorar ou não chorar nada muda na ordem natural das coisas. Sofrer ou ignorar não faz diferença. A menos que a tragédia de uns inspire outros a evitarem os riscos.
Desde a mais tenra idade todos são ensinados a assumirem valores. Muitos deste para conservar a sociedade. Outros tantos meras superstições advindas de mitos não questionados. E uns tantos valores tornam-se inclusive prejudiciais. Quantas boas oportunidades de negócios não lograram bom destino devido a escrúpulos incoerentes.
Falar em escrúpulo, inclusive, é extremamente agressivo. Todos se acreditam seres éticos. E realmente são se considerado um mundo restrito, recortado e delimitado. Porém, quando se olha para a imensidão do mundo e observam-se as disparidades, privilégios, e inconsciências do quanto às atitudes praticadas são egoístas e insensíveis este dogma do “eu sou ético” torna-se infundado. Por mais pobre que alguém seja os benefícios da industrialização e da infra-estrutura urbana sempre os alcança. Então vem a ponderável consideração: alguém está a salvo de desperdiçar recursos? Água? Energia elétrica?
E quanto a diminuição da vida útil de eletrodomésticos? Com empréstimos facilitados e financiamento de produtos junto às próprias revendedoras a aquisição tornou-se mais fácil que a conservação.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Não tive


Não tive:
As melhores escolas;
A melhor moradia;
As melhores roupas;
Carros de luxo;
Comida farta;
Brinquedos sofisticados;
Familiares me cercando e bajulando;
Apoio a meus sonhos;
Conforto;
Segurança;
Assistência Médica de Qualidade.
Sonhei com tudo isto.
Lutei por tudo isto.
Agora tenho!
Mas não parece tão bom quanto imaginei.
Vejo pessoas que tiveram tudo isto
e não acham tão extraordinário.
Talvez se os papéis fossem trocados,
Vissem tudo com outros olhos.
Conheci pessoas que tiveram acesso a todos
os bens e conforto materiais.
E percebi que o destino era muito diverso.
Alguns buscaram o caminho do “bem”,
Outros optaram pelo caminho do “mal”.
Então ter ou não ter não faz diferença.
Mas conforto nunca é demais.
E valor e tão importante quanto os bens materiais.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Julgamento sem fatos




O desumano julgamento


encarcerou minh'alma


no abismo da dor.


Reprimi minha imagem,


para desconhecido oculto,


mas sofri a solidão


de ser honesto


sem ser crido.


Toda indagação que me fazem


vem em tom acusativo.


Se respondo ou não


o inquisidor me tem por culpado.


Meus atos traem minhas intenções


Sou honesto, mas descrido.


Não penso em viver


para agradar.


Mas não me agrada o


ostracismo.


Ao menos um...


Ao menos você, creia:


sou sincero.


Mas não sei demonstrar


isto, sem ferir ou ser ferido.


sábado, 25 de outubro de 2008

Memória de além túmulo


Fui...
Agora não existo.
Sorri, brinquei, bebi, chorei,
corri, parei, sofri, aprendi, voei,
venci, perdi, ganhei, amei,
comprei, vendi, subi, desci,
nasci, morri.
Agora, despejado estou em cova de um cemitério.
Uma lápide, mal cuidada, marca meu endereço.
Um mármore frio cobre meu corpo inerte e putrefeito.
Meus sonhos estão no passado.
Mas sempre estiveram no futuro.
Debati, briguei, discuti, odiei.
Mas a tristeza restou apenas aos que ficam, e que me amaram.
Os que não me conheceram, nunca conhecerão.
Os que me ama, aos poucos me esquecerão.
Só fragmentos, do que representei, visitarão seus pensamentos.
Em "flashes" rápidos e inexos.
Sobrei ter vivido, mas não sou inesquecível.
Não me tornei um ícone, sequer um nome importante.
Da sina de todo ser vivente, também participei.
E a quem ler este monólogo,
não tente me conhecer.
Basta saber que um dia também seguirás meu destino.
A meu lado ainda há vagas.
Espero que deixes mais pessoas te amando.
Pois este é o único arrependimento que tenho:
não conquistei muita gente.
E os poucos que me amaram,
não o fez por esforço meu.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Violência

A violência tem dois lados: autor e vítima. Mas uma só causa: falta de amor.
Bem diz o velho ditado: quem apanha nunca esquece.
Esperar resolver da noite para o dia a violência é ser inocente. Pois a sociedade não é homogênia. Machado de Assis até fez um conto "A igreja do diabo", versando sobre a inconstância do ato de ser mal.
As circunstâncias têm papel preponderante na escolha do caminho maniqueísta: bem/mal.
A melhor saída é melhorar a cultura da bondade, fidelidade, carinho, amor, apresso e, enfim, respeito pelo próximo.
Perdoar é indispensável para quebrar o fio. Pois a vingança é um vírus que se propaga.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Pobreza

Há três aspectos sobre a miséria que merece comentário: político, histórico e cultural.

Do pontos de vista político, a constituição brasileira de 1988, prevê a erradicação da pobreza em seu Título I “dos Princípios Fundamentais”, Art. 3º inciso III: erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.

Diversas leis foram propostas e outras tantas aprovadas. Leis que prevêem sistemas de cotas, auxílio às famílias carentes, isenção de taxas em concursos, subsídio à sesta básica, doação de lotes, financiamento de imóveis mais acessível, entre outros.

A História deixa claro que qualquer pessoa pode enriquecer ou empobrecer da noite para o dia. Catástrofes, reviravoltas, guerras, jogos, coincidências e outros eventos possibilitam este fenômeno da mudança de condição. Portanto ninguém pode considerar-se à salvo da miséria ou inacessível à fortuna.

Resta então considerar o que pode ser mudado acerca da miséria do ponto de vista cultural. Neste particular é importante compreender que há dois tipos de miséria: a involuntária e a voluntária.

A involuntária, em grande parte, é causada por calamidades naturais, guerras, ou políticas racistas. O indivíduo pouco pode fazer sem ajuda de terceiros.

A voluntária, por outro lado, é conseqüência de uma cultura de miséria. A pessoa se vê as voltas com uma estima baixa ou uma visão de mundo tacanha. E aqui não se deve considerar a fortuna, mas tão somente uma dignidade de vida, bens e posição social. O mínimo para que a pessoa viva confortavelmente e com segurança. Possa alimentar-se, vestir-se, morar, trabalhar e acessar todos os direitos legais.

Quanto à miséria voluntária, a consciência determina até onde alguém consegue chegar. Já presenciei pessoas “vencendo” na vida e pessoas que “fracassaram”. Quantos amigos e vizinhos não alcançaram uma posição social de respeito? Tornaram-se empresários, funcionários públicos com salários dignos, ou funcionários de grandes corporações. Por outro lado tenho conhecidos que sobrevivem em condições precárias.

Mudar a visão de mundo, no que tange a miséria voluntária, é inquestionável. O indivíduo precisa compreender a necessidade de construir a própria dignidade. Todos têm que enfrentar obstáculos, a diferença está na determinação, na meta, no esforço. Acomodação, lamentação, e busca de culpados não muda nenhuma situação. Se todas as pessoas esforçassem-se por melhorar sua condição econômica e social a sociedade melhoraria. Não digo a miséria seria eliminada, pois vários fatores interferentes se manifestam. Contudo, uma escalada rumo a uma sociedade mais homogênea estaria estabelecida.

O desemprego, por exemplo, choca-se com a desqualificação e as políticas governamentais de geração de novos postos de trabalho.

O consumismo sem responsabilidade, incentivado pela mídia, cria pessoas endividadas e sem controle que gastos.

A busca pela inclusão gera pessoas frustradas ou desonestas. E umas poucas que atingem honestamente esta meta.

Refletir sobre a pobreza dos “outros” é cômodo, o difícil e avaliar o risco que corremos com nossas escolhas ou falta destas.

sábado, 20 de setembro de 2008

O medo

Supremo argumento da retórica. Quando tudo o mais falha, resta recorrer ao espírito supersticioso da platéia. E trazer à tona os fantasmas mais assustadores. Está em volga perceber o que mais aterroriza o interlocutor, e isto usar contra a pobre alma crédula e indefesa.

O medo fisiológico é um recurso de auto-preservação. Aumenta a adrenalina provendo mais força para escapar a situações de ameaça. O coração acelera produzindo maior oxigenação do celebro e aumentando a atividade muscular. A respiração também e aumentada. O corpo se aquece ligeiramente permitindo aos órgãos internos trabalharem mais eficientemente. Todo o organismo é “avisado” e fica de prontidão. Preparado para lutar ou correr.

Mas, no plano intelectual, não há ameaças físicas reais, apenas suspeita de que tais sobrevirão. Quer seja uma catástrofe, quer seja a descoberta de algo “errado”. Um crime que o interlocutor praticou. Todos ficam sem ação diante da possível exposição de segredos que possam prejudicá-los, ou da ameaça de punição.

Aliás, a punição também é um excelente argumento. Apela ao senso de auto-proteção. O indivíduo faz coisas piores que o crime no intuito de preservar-se.

A verdade é que todos temem o desconhecido. É possível que alguém não acredite em fantasmas. Mas a simples possibilidade de sua ignorância não ser procedente o faz alvo do temor. “e se for verdade... E se realmente existir...”, pronto na falta de convicção ou argumentos razoáveis é melhor não arriscar.

Quem palestra pode observar no olhar e gesto do espectador: o que o emociona, o que o deixa em estado de alerta, o que o deixa surpreso, e o que o que o leva ao medo. As reações da platéia são uma linguagem que precisa ser levada em conta. Porém saber exatamente que sentimento cada palavra causa é de extrema importância. Haja vista o espectador ficar expostos, como se seus pensamentos estivessem sendo sondados. Em uma palestra é comum observar o conferencista contar casos pessoais sucedidos. Isto torna o discurso amistoso e familiar. A identificação da platéia é maior.

Porém tal recurso serve a outro propósito, sondar o público para adequar o discurso. Muda-se todo o rumo do que se planejou, para adaptar-se às expectativas dos ouvintes. Estes vêem na conferência um espetáculo artístico. Buscam prazer no discurso, e não somente informação.

Tal fato gera um ponto favorável aos habilidosos oradores: prever o que o público veio buscar e oferecer-lhes tal. Em troca incuti-lhes a ideologia que quiser. Tornando-os não só adeptos, mas defensores “da causa”.

Enredados pela falta de aprofundamento no assunto, ou pelo senso crítico adormecido, os ouvintes acabam aderindo às ideologias mais bizarras, contraditórias, macabras, violentas, prejudiciais e preconceituosas. Alienados, recusam-se a ver diferente. Achando ameaça em tudo que os dissidentes propõem acerca de sua postura.

Assim o ciclo de “manipulação” se consuma, bem sucedido e inabalável. Sim, o medo é poderoso. Quem sabe fazer uso deste domina o indivíduo, a sociedade, a nação, o mundo.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Se até pensar...




“No suar do rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois
dela foste formado; porque tu és pó e ao pó tornarás.” Gêneses 3:19.


Inácia estava à porta da cozinha. Observava as galinhas ciscando. As folhas das árvores cobriam o chão como um tapete. Punha reparo em quanto elas diferiam em texturas, cores, formas. Umas mais verdes outras mais secas, quase podres... “podres; como os homens”. Algumas tinha só uma armação, “linda”. O que restou de uns meses de esplendor e verdume.
Caíra uma chuva na tarde do dia anterior. Ela não deixou de observar que algumas folhas estavam misturadas à argila lamacenta e quase branca da beira da estrada. Marcadas pelas rodas direitas da camionete.
A1 sempre saía com ela quando ia a cidade. “Estava um pouco suja, mas era boa de motor, só duas vezes o deixou na estrada”. Ele vinha à sua mente algumas vezes por dia, “é meu irmão tenho que me preocupar”. Recordava a vez que teve pneumonia, “quase morreu. Foi quando decidiu não brincar com a saúde, coisa tão escassa nessas paragens”.
O mato ao redor da casa já pedia jornada de meio dia. Ela não podia se dispor a isso. Sentou-se em um banco feito de tora de madeira, e deixou-se a descansar. “O muito trabalho me deixa fadigada antes do início”.
Os pássaros cantavam, “é uma beleza. Quem dera L1 pudesse ver isso!”. No córrego as piabas faziam festejo e o cheiro de areia lavada misturado com tronco molhado recendia por todo o terreno. Era época boa do ano. A chuva dava estiada e os fazendeiros vizinhos se reuniam a noite pra trocar causos. No alpendre umas roupas secavam. Já estavam meio surradas. “Viver neste mundo e desgastante”.
“N1 esqueceu de novo de recolher os porcos que comprou semana passada. Esse homem parece que num precisa de dinheiro”.
“A I1 não voltou da escola, dá saudade quando ela demora. E, não, é bom estar assim sem ninguém, parece que a gente ouve os pensamentos de Deus. O que será que ele diria daquele tronco de árvore caído perto do rio...”.
Ela tinha muitas dores. Fora ao médico, mas a solução é difícil a quem mora no interior. “Não se conformam! Acomodam-se, só isso. As portas se abrem, fecham; o sol nasce, se põe”; A dor não se afasta deles. “J1 mesmo, tirador de moda, tem braço paralisado, por conta de derrame. A L2 depois que teve o último dos sete filhos quase morreu e sofre dores até hoje. C1 não tem mais conta de quantas feridas fez na lida do campo. Parece que tem jeito pra coisa”.
Não é só ela que percebeu isso, duas moças da redondeza... “mais que descobriram”, viram nisso uma maneira de terem ganhos. D1 e S1, dizendo falar com os morto se aproveitam da fé simples do povo. Não passam de oportunistas. Uma delas, S1, recebeu uma facada, numa festa ano passado, que cortou feio. O ruim é que insiste que fala com meu pai, E meus filho acreditam! As vezes até me passa que possa ser verdade. Como? O velho não tá morto, sumiu... Ou será que tá? O velho Q1 e muito estimado. Vive dizendo que sofre dor aqui, acolá. Nos somos um bando de folhas secas, podres, mortas”.
“É assim, quando jovens somos fortes, sadios, bonitos. Envelhecemos e a falta de respeito pelo próprio corpo cobra sua conta. Só viver não bastou, quem dera tivesse...”.
“O cheiro da água no mato é bom. O barulho do córrego é bom”. Uma aranha, caranguejeira, sai do meio da pedra seca e numa ligeireza se aloca em uma fresta do barranco. A medida que a estrada se inclina, enquanto subimos, o mato vai crescendo ao centro e mais alto dos lados. Um cascalho ralo e disperso enfeita os corredores das rodas. Ali existe cobra, “Onézio disse que elas não aparecem de dia, são bichos noturnos”.
“O portão de madeira é bonito. A chuva vem lavando ele a pelo menos três anos. Dando uma cor acinzentado-dispar”. A Pancha das estruturas tem linhas desenhadas, com diversos formatos, são as rachaduras, feitas pelo sol. “Andar até ele, em dias como esse, enche os pés de barro. É gostoso tirar o barro da sola com uma faquinha. Não tão gostoso como ir tomar banho de rio, e voltando pra casa sentir o cheiro de fumaça na roupa de quem produz comida caseira”.
“Uma vez o R1 encontrou um cacho de abelha dentro de um tronco oco de árvore. Nos comemos mel quase uma semana. Cana de açúcar era a alegria das nossas manhãs. Chupar cana e como um desafio, tanto que força os músculos da boca. A gente não quer parar, mesmo que já não esteja mais agüentando”.
No topo da estrada, quando ela chega à saída do rancho, pode-se encontrar um minador. “Como sai água tão cristalina do meio de um barro tão escuro”. A água corre num pequeno rego até o pomar, que fica a uma pequena distância da casa. “A T1 foi internada semana passada. Ainda não descobriram o que tem, só que gosta do sítio, mas quem não gosta. Ela é muito faladeira, e é difícil ficar com ela muito tempo sem brigar. Tô sentindo falta. Ela sempre trazia alguma coisa de presente. Como no dia em que trouxe um jarro todo decorado. Isso é que dói quando nos separamos das pessoas, as lembranças”.
Inácia sentiu vontade de abraçar a filha, doía por dentro um “algo-sei-lá-o-quê”. Não dava pra conter. “E se T1 não voltar?” Como ela ia fazer? Nunca pensara nisso, mas todos estão doentes. “E se todos se forem?”...
Chamou o Tiú, deu-lhe um forte abraço e o advertiu severamente para que não a abandonasse. O cão a olhava com a língua de fora, como que sorrindo. Era só um cão. “Meu Deus o que penso está fazendo?”. Um tucano estava aninhado no topo de uma árvore. “Talvez fosse melhor mudar pra cidade. Lá tem a G1 o F1 e a C2, e mais gente. Não fico tão só! Fazer o que? Não tenho emprego lá, vamos viver de quê?”.
“O Adonias!” passa a cavalo, marcha lenta. Pergunta aonde ela vai ou algo parecido. Ela vira pro lado da casa e diz que ia perguntar ao L1 como está R1. “Os jacas que a senhora pediu já estão prontos... Hoje vai ter mingau e pamonha no T1. A filha do N2 completa Dezoito. Essa eu não perco!...”. “Amanhã o Agripino passa lá. O abacateiro já tem fruta madura se quiser passar lá...”.
“Os S2 são muito dados à festas. Engraçado os L3, já se acostumaram com enterro. Quando vou até lá eu penso o quanto estamos próximos dela. É como quando brincava de pique-pega. Quanto mais próximo a pessoa chegava, mais emoção a gente tinha. Parece que a cada dia Deus se aproxima mais”.
“A1 se atrasou. Teve de levar umas canas à pastelaria e trocar os botijões de gás...
É ruim quando entra pedrinhas ou poeira no sapato...
T1 falecera, e e os L3 de novo tinham de velar, deve ser porque são muito velhos...
Festa nem pensar, amargura dói mais que ferida profunda...
Doeu dessa vez não...”.
Ela Pensava como seria o Paraíso e compunha o melhor que sua mente podia. E como a mente podia! Ninguém pensava num céu tão bonito, caloroso. Daquela forma morte não era algo tão ruim.
“Chato é saudade, mas o tempo alivia, até apaga... O N1 estava feliz , sua mãe descansara das dores. Não suportava ver o sofrimento dela sem poder fazer nada. Ela disse no leito de morte que ia viver com Deus sem sofrer mais, o amava e a todos os seus. Minha mãe disse que de tanto se falar em morte ela acaba se tornando algo natural, natural como trabalhar e amar.
Choro teve, mas parece que Deus conforta”.
A festa adiaram por três dias. “Era o tempo de primo Aguiar chegar. O povo estava doente”. As sandálias aposentou. Foi um graveto, ou uma pedra, não sabe ao certo, soltou o taco de madeira. “É pena, era bom calçado”. “Flor do cerrado é uma coisa, mesmo depois de velha ainda fica durinha, firme. Parece a teimosia desse povo. Mesmo doentes teimam em continuar vivos. Vai sentem prazer.”
Ela voltou ao mesmo lugar, à porta da cozinha, encostada nas ombreiras. “Eu também já fui moça formosa, o tempo e que não foi generoso. Creio que Deus faz o homem assim pra abater o orgulho. Flor do cerrado fica uma boniteza, mas que olhos podem ver?”.
I1 chegara. “Está linda”, 17, negando que todos estavam doentes. “Mas, ai! O tempo e violentador...”. Os velhos, ela reparava, enrugavam feito maracujá. Ficavam nos cantos ou caminhavam. Vez por outra trocavam umas palavras. Não podia saber ao certo o que se passava em suas almas. E sua filha, “aquelas cochas lisas”, bem feitas, firmes, corpo bem delineado. “Por que a beleza não dura para sempre?” Assim era o céu, sua filha eternamente linda e viva. Sem as violências do tempo, do mundo.
A comida ficava pronta sempre as seis. Gostava de apreciar o resto de luz do sol. Era bonito, como poucas coisas o eram. E entre elas sua filha. Os outros filhos já envelheceram, “se bem que sadios”. Já era vó. As sandálias ficaram debaixo da cama. “Lá junta muita poeira, mesmo que se varra”. O piso era de cimento cru e areia lavada, cheio de furinhos elevações e riscos. Mas era bom que elas estivessem ali, porque embaixo da cama, como na casa toda, não caía água da chuva. “Ficava bem as duas. Ficava bem o par”. E desde então não saíram mais de lá.
Na mesa de cabeceira, a flor, que insiste em não se acabar, e o relógio “amigo do violentador. Mas a eternidade sem aflição... com beleza... é boa, maravilhosa.
Sem sono a cama não existiria. A cama é boa... Ainda mais quando lembro do mato em torno da casa...
Sentar na cama traz segurança... T1 morreu deitada...”.
“Eu vou a festa! Chega de brincar de pique-pega...
A filha do N1, B1 Betânia, também é linda, do jeito que fica bem no céu. Todo mundo já tá lá...”.

domingo, 31 de agosto de 2008

O ato de escrever e postar no blog e o distanciamento

Escrever exige tempo. O texto precisa ser revisado. E esta revisão exige distanciamento. Que é um espaço de tempo entre o que foi escrito e o momento da releitura.
O distanciamento permite ver com outros olhos o que foi escrito.
No momento em que se redige um texto, o contexto está pleno na mente. Então o autor não tem dúvida sobre o que escreve. Compreende muito bem todas as frases, pois compreende a intenção que teve. Contudo, ao passar certo tempo, esquece as motivações que o levaram a elaborar cada trecho de sua obra. Neste momento o próprio criador começa a ter dúvidas sobre o que queria dizer. É um momento maravilhoso. O escritor percebe as incongruências, discrepância, incoerências, confusões, duplo sentido, informações incompletas, excessos de informação, redundâncias e outras distorções semânticas.
Mas num blog o tempo urge como gostam de dizer os poetas. A necessidade de algo novo é contínua.
Todos os blogueiros passam a “viver na pele” o que os grandes cronistas da história experimentaram ao escrever para jornais e revista: o compromisso de apresentar continuamente algo de valor a seus leitores.
A qualidade pode ser prejudicada. Ou na melhor das hipóteses o blogueiro irá repetir o que outros já disseram ou fizeram. Sempre com uma sutil diferenciação. Embora deva se consideram que não existe originalidade, conforme propagam os críticos literários.
Qual a conseqüência de escritos sem distanciamento? Talvez o arrependimento. Ou o autor diz algo com o que não concorda sinceramente. Isto já considerando as questões de ordem gramatical, semântica e ideológicas.
Então o que fazer? Ser cada vez mais crítico. Tudo na vida é questão de experiência. O aperfeiçoamento vem com a luta diária com o texto. O que hoje não esteve “perfeito” será “dica” para não mais se repetir.
Escrever é ótimo, mas não se compara ao prazer de ser lido, comentado, elogiado, “plagiado” e requisitado.
A todos os neoblogueiros um recado: nunca deixem de escrever. Hoje você é meu leitor, ontem fui ou amanhã serei o seu.

sábado, 30 de agosto de 2008

A fruta

Observe esta descrição que faço do ciclo de uma fruta, e veja se não lembra algo...

A fruta

Quando uma fruta apodrece os microorganismos se juntam em torno dela e começam a se alimentar de seu corpo levando-a a decadência e degenerando-lhe o aspecto. A fruta, no entanto, nada sente, não percebe a presença dos decompositores, porque não é racional.
Com o tempo a fruta é totalmente consumida restando apenas a semente, que poderá se desfazer pelos elementos climáticos ou outros fenômenos. Mas pode ser que a semente, tendo recebido uma carga de terra, que impeça a atmosfera de tocá-la, brote, e dê origem a uma nova árvore.
Portanto ela foi sepultada quando estava podre. Ao receber uma carga de terra germinou longe da ação dos elementos destrutivos da atmosfera.
Uma vez sepultada, permanece sepultada. E dará lugar a uma nova forma. Mas somente se permanecer sepultada, do contrário sua decomposição continuará incessantemente, até que da fruta nada mais sobre que possa tornar-se uma vida.
Quando atingir seu tempo certo a árvore dará frutos, ou seja, irá gerar novas frutas que estarão sujeitas aos mesmos processos descritos anteriormente.
Para que a fruta seja coberta com terra é necessário que uma influência do meio a favoreça. A exemplo disso enxurrada, desmoronamento e o ser humano dentre outros.
Caso alguém venha e descubra a fruta ela poderá ainda persistir e geminar, porém, pode também vir a se decompor.
A vida das plantas quando não sofre influência do homem, segue uma lei de transformações contínuas, que não teriam sentido algum, se não levássemos em conta que elas não podem escolher seu destino.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Releituras

Os melhores textos de autores renomados estão reunidos no site:
http://www.releituras.com/

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Resenhas

Para quem ama resenha e escolhe seus livros com base no conhecimento de autores e obras este é um site excelente.
Seu título é "resenhando"
e o endereço:
http://www.resenhando.com/rg/rg0705.htm

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

O pergaminho


Os montes amanheceram lindos. No pasto o gado. Campos verdes e com pendões cor palha. Pouco importante para os pássaros! Nas árvores. Só querem voar, comer, descansar, voar. Estão satisfeitos. Não têm carros, mas estão satisfeitos. Não têm chuveiro elétrico, continuam satisfeitos. Basta a eles as coisinhas que catam no chão, ou na copa das árvores. Pequenos seres, também contentes de si, sem fazerem idéia do perigo. Outra coisa acontece às pessoas. Se procurar que a razão está nos bens que possuem, será contrariados.
O documento foi recebido as três horas da tarde. Tinha fé pública, carimbo e rubrica. Alguém o recebeu e precisava executá-lo. Uma lei o obrigava. A lei do acordo inconsciente que residia nas multidões sem contudo ter sido feita por elas. Se numa escala hierárquica, mesmo que por razões justas, alguém opte por contesta e descumprir o acordo, outro não o fará, não terá a mesma compreensão dos fatos. Em alguma estante de biblioteca há uma defesa acadêmica para a questão, não ausada dos que trabalham duro para se manterem vivos.
A Lei do “si...”é maior que a lei do papel. Prevalece por ter como poder executivo o medo e o poder Judiciário o completo desconhecimento dos limite de ação: Se não fizer isso.... E se tentarem contra mim... e se... e se...
Era um número para os documentos oficiais e um status para sua comunidade. Autoridade, contudo, humano, frágil, até sentimental. Não sabia se alguém notaria o descumprimento daquela ordem escrita. Não compreendia como tal ordem tinha razão de ser.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Dois


Não digo que os dois se conheceram... Aproximaram-se, o homenzinho manso e a mulherzinha meiga.
Ela — mais que ele — foi se instalando aos pouquinhos. Tomando o espaço do outro. Decidindo sem consultá-lo. Dominando-o com seu jeito desprotegido e humilde de ser.
— Amâncio vai...
— Vou!
— Amâncio faz...
— Faço!
— Amâncio...
— É so dizer como quer!
Quando deu por si, havia se doado todinho à ela. Não conseguia encontrar mais nada de seu à sua volta. E muito menos, no próprio interior. Era sempre:
— Pra você!
— É seu!
— Te pertence!
— Pensei em você!
— O que você prefere!
— Você é quem sabe!
— O que você acha!
— Como devo fazer!
— Bem, me ajuda a escolher!
Sim, ele não era mais ele. Ele era o ela queria. Então... sumiu. É... sumiu! Ninguém falava nada com ele. Não podia decidir mesmo. Ninguém o cumprimentava. Cumprimentavam ela! Ele? Nunca. Não o notavam. Até ela só sabia dele quando precisava de alguma coisa.
Não me atrevo a dizer que era preguiçosa. Seria falta de delicadeza, mas não se nega que tudo — todas as tarefas caseiras ou provimento da casa — era de encargo inteiro de seu Amâncio.
Ele não existia para todos, mas sem ele, ela também não existiria.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Inexplicável

Homem mata 25, é promovido e recebe prêmio da empresa em que trabalha.
Onório, 25 anos, jardineiro, casado, pai de três filhos, teve sua vida modificada depois que entrou na empresa COLHIU, uma das responsáveis pela produção de cereais, cana de açúcar, nós mascada, algodão e cacau, no Brasil.
"No princípio os outro funcionários não foram com a minha cara." — diz Onório em entrevista, ao repórter — "Mas fingi que não percebia e fui empurrando o carro de boi. Agora, quando surgiu aquela situação, não pude deixar barato, peguei uma pá e matei todos os que encontrei. Sem dó nem piedade. Deu um trabalhão danado, mas consegui."
E sua esposa o que achou disso? — Repórter.
De início ela ficou perturbada, que ela é muito encabulada com essas coisas. Pediu pra sairmos de lá, antes que fosse tarde de mais, mas não dei atenção, emprego tá difícil. — Onório.
Marcos, administrador de empresa, quando foi notificado a cerca do assunto disse que ninguém tomou providência até que fosse tarde demais, "agora taí o resultado. Quem vai ser responsabilizado pelas pessoas mortas?"
Os familiares das vítimas estão indignados. Não entendem como a empresa pode deixar chegar a este extremo, e já estão providenciando um pedido de indenização.
"Eu não tive culpa — diz Onório, com o semblante triste — apesar de morar a pouco tempo aqui já tinha me afeiçoado a algumas dessas pessoas. Mas não tive outra escolha, todo mundo parecia estar contra mim. Daí resolvi agir.
Maria Dolores, empregada doméstica, toma a defesa de Onório, afirmando que também era importunada durante o período de trabalho e todos faziam silêncio porque não queriam se envolver com a questão: "Foi priciso morre gente prôs puliça agirem."
Agnelo, engenheiro agrônomo da empresa, diz que no princípio os vizinhos não tinham idéia da gravidade da situação, mas assim que tomaram consciência foram se mudando, aos poucos, das proximidades da empresa onde Onório trabalhava. Ainda mais, os escorpiões em questão, eram os de papo amarelo e foram os responsáveis pelas mortes. E quando Onório tomou a atitude de eliminá-los, matando em um só dia vinte e cinco deles, mereceu a promoção e o reconhecimento dos companheiros de trabalho. Os ‘casca-dura’, como o povo costuma apelida-los, apareceram em conseqüência do desmatamento de uma pequena floresta nos arredores, e do acúmulo de lixo e pedras, que se encontravam no terreno da empresa.
Terminando de ler os fragmentos de notícia nos jornais, Jenuíno se levanta da cadeira, dirige-se ao quarto, deita-se na cama, e diz pra si mesmo: "desmatamento e entulho uma conversa. Se não fosse euzinho esse camarada nunca teria a promoção. Pena que aquele bicho não é astuto, custava matar o dono e os diretores da empresa."

sábado, 9 de agosto de 2008

O Monte Orgamunom




"No mais profundo abismo até as trevas são alguma coisa."
Helen Dummey


A tarde se acumulava de gente. A cidade era pequena, mas cabiam as conversas, os trabalhos, as tragédias, e o ócio... Os prédios se decretavam eternos, sem se disporem a conhecer que nada é sagrado para os homens. A atividade das gentes trazia risos, carinhos, preocupações, abalos, confortos, mesmice, descobertas...
O mundo das palavras, conta uma lenda, brigou com o mundo do real e deste se afastou. Foi que do muito não-contato desapareceu dos livros o verídico. Nem tudo podia ser transposto para o papel. Agora o real era lembrança de uma passada união. Posto que isso se deu o tempo e o lugar se apegaram as palavras e festaram um dia, dois, três... que hoje ainda se vê.
Trabalhava Alair em um jardim. E as idéias o atacavam sem piedade. Percebia, sem aviso, que o um mundo era um grande-tudo-de-uma-única-coisa. Tudo tinha um princípio básico, que pelo muito se repetir dava o efeito de diferente. Cerca viva, era um conjunto de ramas e folhas. De acordo com o corte se ia tomando forma e resultava de algo qualquer-coisa-outra.
Como podia ser isso? Em contrafeita, a vida é curta para se buscar uma tal resposta. Curta a vida, não o mundo. Pelos jornais, revistas, e outros meios de comunicação se estabelecia um dilema na cabeça do jardineiro: o mundo é grande ou pequeno? É grande, tem muita gente, casas terras. Como? Se podemos dar a volta em todo ele a poucas horas. Não, é pequeno. Se é assim por quê demoro tanto tempo de casa até o trabalho? É grande. Tem tanta coisa nele.
E não cabia o mundo em um minuto de pensamento. Tal que o filodiano se desesperou em muitos subsequentes dias. Queria todas as coisas na mente. E não achava de tê-las, por questão de ordem. Começou a se disciplinar. Pensaria em algo diferente a cada momento. Não pôde. Vai vê o mundo é pequeno mesmo. Vou me concentrar. Encontrando-se em sua chácara subiu em um monte, ponto mais alto. Fixou o olhar no horizonte. Se cansou de contemplá-lo, apesar de não ser, este, o mesmo a cada segundo. O mundo era de uma tal forma o mesmo e diferente que o espantou. Teve medo de tudo. E se ele fosse único no mundo? Olhou as flores no cerrado. Não pensavam, não sentiam, não doía para elas. Doía para ele. Se sentia só, num universo cheio. Cheio, mas vazio. Vazio do quê? E eram as árvores, os pássaros... Pensou: o que preciso é de um espaço menor, assim não me distrai-o. Tudo parecia ser muito, nada era simples. Pegou uma pedra. Essa é simples. Não era. Descobriu formas, texturas, cores... a pedra era um universo gigantesco, não cabia no querer pensar. Fechou os olhos. A escuridão é simples. Vazio, vazio, vazio... Não agüentava mais. O mundo era o vazio de muitos tudo. Os pensamentos forçavam passagem, insistiam, não aceitavam-se desprezados. Começou a prestar atenção à respiração. Foi sentindo falta de ar, desconforto... parou.
O mundo era demais para ele, mesmo que coubesse na palma da mão. Tudo era tão simples que podia ser dito. Daí as estórias. No entanto existiam livros e livros, e todo assunto ocupava horas na vida das pessoas sem se fechar totalmente. Como pode o mundo ser tão simples e complexo, compreensivo e avesso à lógica.
A pessoa que vai realmente volta ou a vida é um constante ir? O tempo está passando ou é o mesmo eternamente? Se ontem é o hoje de amanhã, então o tempo é um sempre eterno? Há muitas razões para se fazer algo, e tantas outras mais para não se fazer. Não pode portanto existir uma maneira única de se agir. Como então o homem vai se orientar? Se é possível cercar todas as decisões usando de um princípio básico qual é ele? O que o homem deve buscar ter na vida?
Em sua mente pulsava que: a vida é um tribunal. Há quem acuse, quem defenda e um que julga tendo o poder de decidir. A parte que for mais convincente domina.
Foi surpreendido então por um sentimento. Não ser apoiado. Impotente diante de algo opressivo, opressivo com não poder escolher. Veio que, as pessoas se unem por necessidade, não existindo esta, percebe-se os outros se afastando. Não é somente uma solidão. É o esquecimento de ser, do qual só participam os que têm consciência da própria existência.
Logo lhe surgiu que na verdade somos mercenários. Negociamos tudo. Constantemente estamos fazendo acordos uns com os outros, e até com Deus. A vida é isso: enquanto tivermos algo para trocar/dar/vender estaremos vivos, quando não mais tivermos, hei-nos na sepultura. A história é a prova disso. Os homens que são dados, pela história, como grandes, não passaram de peritos negociantes que um dia não puderam mais barganhar.
Tudo girava em torno de um centro. Por mais que as idéias fossem se distanciando umas das outras, logo encontravam um ponto de convergência. O ponto central tornava sem sentido toda a especulação e deixava uma sensação de estar perdendo tempo com pensamentos infantis, insipientes.
As pessoas não refletiam sobre o sentido da vida. Elas viviam cada momento, viam apenas parte do quebra-cabeças, não faziam idéia de como era ele todo. Não sabiam o mundo do real.
Também se buscassem saber, a vida ficaria sem sentido? As formigas são exemplo disso: todos trabalham para continuarem vivos, mas vivos para continuarem a trabalhar?
Ninguém sabe ao amanhecer o que será o dia, o quê há de acontecer, nem sequer para o fim de refletir.
No jogo de ganhar ou perder: quem perde se deixa desanimar, mesmo que por pouco tempo; quem ganhar alimenta uma falsa idéia de bem estar, mas tudo que se ganha não será mantido. A dimensão do tempo, magoa e cura, distorce e conserta, tira, toma e traz de volta.
O mais certo é o poder da palavra. Uma palavra pode originar ou encerrar enormes discursos.

vagabundo esperto


Pegou um novelo e começou a desfiar.
Quê tá fazendo?
Olhando o destino dos homens
Quem qué esse?
Você!
Quê que vê?
Aqui?... trabalho... descanso... lazer...
Tá acabando o fio?
vai morrer.
Passa pra cá calhorda, vai vê se pode? Morrer! Hum, Hum, Hum! Seô, ai! Ãh... ãh.

Sentou num velocípede,
pernas avantajadas a idioticiclar.
Quem quele pensa que é?
Deixa, a fome bate!
Fingiu que morria.
Condoído ô, da casa de comidas,
bom almoço fartou,
pra gentileza,
na mesa de melhor lugar.
A não poder se atulhou.

Agora, provável que morre!
Ó, deitou!
Morreu?
Aquilo tá é dormindo!

Amontoou, num canto
remoendo filosofias suas tidas.
A de pano velho enlamaçado,
do cão faminto,
do carro funcionando,
do dinheiro no bolso.
Só não sabia utilidade de quais.

Espalhou boatos
para avolumar o devido evoluir da cidade.
Foi um caos não tocado do ser partido.
Cumpriu o dever.
Fazer o quê, se povo outro
entende de mal maneira.

domingo, 3 de agosto de 2008

Bode de dar dó


Certo dia um bode que estava no meio da rua encontrou um velho que parecia estar morto. O bode mordeu a perna do velho. O velho achou bom e passou a ser seu dono. Colocou o nome do bicho de Banguela, porque o animal tinha apenas dois dentes.
O velho foi comprar comida para dar ao bode, na venda cujo dono costumava roubar no preço das coisas. Lá chegando viu uma mulher muito filé, que era muito amiga dele. E quis que ela visse o bode. Quando eles chegaram na casa do velho, o bode correu para cima da mulher. Começou a morder. Desesperado o velho correu até a mercearia e pediu ajuda. Quando voltaram viram a mulher e o bode estendidos no chão. O dono da mercearia balançou a cabeça e disse:
— Que desperdício. O bode ainda dá uma buchada, mas a mulher a terra come.
Uma velhinha saiu da casa e falou:
— Do que você tá falando.
E o velhinho chorando:
— Não vê minha velha. O bode matou a mulher e depois morreu.
— Morreram coisa nenhuma. Os dois ficaram foi amigos depois que a mulher ofereceu uma garrafa de caninha-da-roça. Beberam até amuarem.
E deste dia em diante conta-se que os cinco costumam se reunir para comer mingau milagroso e jogar carta.

2004
Jaqueline de Souza Feitas.

sábado, 2 de agosto de 2008

A preciosa menina


Os pais da menina saíram com ela para o hospital. A vovó estava dodói, pareceu muito sério.
Lá na emergência não entrava crianças. Só se o paciente estivesse às portas da morte.
A babá levou a menina para o pátio do hospital.
Todos os enfermos, que tomavam sol, estavam tristes. A menina não gostou deles. “Quem eram?” Não sabia, não importava.
A menina desgostou de toda a grama enferrujada que viu. Não existia animais nem flores.
A menina recolheu Deus do Céu. E lançou sobre o mato quase morto. E Deus riu, e a grama floresceu, explodindo como fogos-de-artifício, em tons: azuis, vermelhos, rosas, brancos, amarelos, infinitos, eternos... Deus viu que aquilo era bom.
Os pacientes ficaram estáticos, olhando sem compreender. O silêncio era tudo.
E a menina sentiu falta de um coelho, e de um cachorro, e de um pássaro, e de um..., e de um..., e de um... E recolheu Deus das flores, que continuaram flores, e lançou sobre a lesmas, e o tatu-bola, e o gafanhoto, e a minhoca, e a mosca. E foi que apareceu muitos animais bonitos e carinhosos, que emprestaram alegria aos olhos dos doentes que estavam a volta.
E a preciosa menina avistou um antigo parquinho. Brinquedos enferrujados, areia suja e dura. A menina não o quis assim, recolheu Deus do olhar dos pacientes e lançou no parque. A areia ficou branca como a neve e os metais coloridos e bonitos como que fossem novos. As crianças enfermas correram para os brinquedos.
E a menina encasquetou de brincar que estava na praia.
Alguém falou:
— Menina pequena, isto não é praia e só o parquinho do hospital.
Sem ligar para o que ouvia, recolheu Deus da areia e lançou no vasto terreno baldio, aos fundos do hospital. E surgiu um pequeno lago, muito bonito. Alguns pássaros, que voavam ali perto, descendo pousaram sobre as águas e mergulharam a cabeça. Foi que os pacientes viram que a água era límpida e ao fundo tinha areia, cascalho e cristais. Semelhante a fundo de aquário. Também viram peixes coloridos nadando. Parecia uma festa.
Um senhor barbudo se virou para a menina e disse:
—Sai daqui, garota pequena que nos perturba. Deixe que morramos em paz. Sem saber da beleza que existe. Porque, a quem morre, dói o coração saber que existe beleza que não vai apreciar.
A menina ficou furiosa. Recolheu Deus de tudo e lançou nos corpos dos pacientes. E todos ficaram curados. Alguns choravam, outros riam. Uns duvidavam procurando a doença. Outros corriam, queriam voltar para suas famílias.
Então era o fim. O médico informou que a vó descansaria em alguns minuto, descanso eterno. Os pais recolheram a menina do pátio e puseram diante da vó.
A doce velhinha sentia dores, mas pôde ver a criança. Viu que a garota tinha recolhido Deus para si. Se acomodou melhor e sorriu.
A garota lançou Deus na vó e um alívio completo se apoderou da idosa. A vó agradeceu e suspirou.
Deus recolheu a vó do leito e lançou no Paraíso. E o Paraíso ficou mais alegre. O número de glórias e aleluias aumentaram. Todos queriam se aproximar da menina que chegara ao Lugar de Descanso. E a vó ficou feliz de saber que quem tinha coração de criança, no Céu voltava a ter forma de criança.
A menina e os pais voltaram para casa. Ela estava cansada e dormiu. Sonhou que Deus sorria. E recolheu o sorriso de Deus para si.

A perereca sabida


A perereca sabida morava numa cidade que se chamava bodega. Nesta cidade havia um caboclo que tinha a cabeça cheia de piolho, e se chamava anticonstitucionalissimamente. Ele criava um besouro, que um dia a perereca foi lá e o comeu.
O caboclo ficou muito zangado, por que o besouro era a única companhia que tinha. Ele foi no otorrinolaringologista para ver se o bicho tinha entrado em alguma parte da sua cabeça.
Dentro da barriga da perereca o besouro encontrou uma “besoura” fêmea. O besouro, como era muito beijoqueiro, foi logo em cima dela. Esfregando aquele cavanhaque nela.
A perereca empacou no meio do mato e c... os dois besouros no mato, e o dono do besouro como era muito abestalhado pisou nos dois na volta para casa.

2004
Cleverson

Formiga


Saiu do buraco com um grão de areia à boca duzentos e noventa e nove vezes em seis horas.
Cortou e carregou quinhentos e sessenta e três pedaços de folhas só em um mês.
Caminhou sete mil oitocentos e dezesseis quilômetros em um ano.
Bebeu três vezes a quantidade de água ingerida por um besouro. Comeu o equivalente a três quilos em toda a vida.
Morreu numa tarde de novembro de 1982, esmagada por um pedinte que estava dormindo perto da entrada do formigueiro. Isto às três horas quarenta e cinco minutos e dez segundos.
“Droga de formigas, ficam andando em cima da gente. Elas não têm mais o que fazer” — o sujeito, ao limpara a manga da roupa, que não lava a pelo menos sete meses.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Mistério na cidade de Macambá




“A voz do povo é a voz... da elite."
Anônimo

Foi noticiado no jornal, agora era lei. Todos os moradores da cidade de Macambá deveriam ter em suas casas uma placa fornecida pelo governo. Era uma autorização que tornava a casa habitável, uma espécie de alvará. O D.O.A.M. (Documento Obrigatório de Autorização de Moradia).
Nos primeiros meses as filas eram gigantescas. A placa era bonita e virou uma espécie de título, que dava status ao portador. Diferia quem tinha valor e quem não o tinha. Uma parte da placa tinha informações intransferíveis como o endereço da moradia, um breve texto da lei que instituiu seu uso e o nome das autoridades legais. A outra era modificável e trazia o nome dos moradores.
Ao entrar nas lojas, logo era percebida a novidade. As cores eram vivas como as de selos metálicos... O material era desconhecido. A plaquinha era afixada sobre outra que já estava devidamente presa à parede.
Tudo parecia bem. Os moradores estavam felizes com a novidade. Chamavam de "status de moradia". Atraiu turistas e curiosos. Outros prefeitos estudavam a possibilidade de imitar a iniciativa.
Mas em alguns meses as coisas mudaram. Alguns moradores estranhavam o material do qual era feito o objeto. Outros suspeitavam que se tratava de uma espécie de aparelho eletrônico de escuta. Alguns moradores afirmavam que ouviam vozes, sons e viam luzes nos cômodos onde estavam a plaquinha. Alguns suspeitavam que o objeto era um receptor de radiação.
Os mais paranóicos desconfiavam que alguma grande catástrofe estava sendo investigada e que as plaquinhas eram as sondas.
Tudo de errado era atribuído as plaquinhas. Se alguém ficava doente, se perdia o emprego, se brigava, se os gastos da casa aumentavam, se desaparecia algo, se alguém ficava louco, se... se... se...
Em pouco tempo a cidade estava um caos: Intrigas, discussões, revoltas, desentendimentos, terrorismo.
O povo se dividia. Havia os que apoiavam a permanência das placas, e os que eram contrários. Todos já tinham tantos documentos, tinham que responder a tantas leis, por que mais aquele capricho?
Os políticos não se incomodavam o povo sempre acaba aceitando novas leis e se acomodam. Logo ninguém mais falaria no assunto e a polêmica se encerraria. Foi o que aconteceu.
Mas ... um dia alguns cidadão não puderam adquirir as placas para as casa de um novo assentamento.
O governo dizia que o material era muito raro e estava esgotado. Os moradores receberiam uma autorização temporária até que a situação se resolvesse. Sim, "se resolvesse" porque não dependia da administração.
Este episódio criou uma nova polêmica e os moradores acorreram a justiça para buscarem o direito de saber de que eram feitas as placas? E como eram feitas?
O parecer favorável lhes foi dado, mas os técnicos se reservaram o direito de dizer o que queriam. O excesso de termos técnicos e argumentos deixaram o povo na mesma. Os leigos achavam a explanação magnífica, embora não entendessem nada. A peça parecia extraordinária, a melhor tecnologia já inventada. Os técnicos possuíam um "scaner" que permitia a identificação da residência, acesso aos dados da mesma, e a seus componentes.
Já os especialista do povo não ficaram satisfeitos. A demonstração do produto lhes pareceu demasiadamente vaga. Nenhuma das explicações definia bem do que se tratava. Mas eram minoria e não tinha interesse naquela "placa boba" como a chamavam.
Uma epidemia assolou a cidade. Aparentemente só quem possuía as placas ficava doente. A doença causava sono constante, falta de apetite e queda de cabelos e pêlos.
Isto no início. Depois se descobriu que não eram as placas que causavam a doença, mas algo que estava presente na água. Uma espécie de radiação. Os cientista e médicos procuraram inverter a situação.
Era necessário equilibrar a estrutura físico-químico dos corpos. Mas precisavam de uma espécie de filtro para que os raios do equipamento desenvolvido não afetassem negativamente os corpos.
Tudo correria bem, se alguém não tivesse invadido as instalações militares e furtado os metais no intuito de descobrir como eram fabricadas as placas.
O governo pedia à pessoa que praticou o ato, que devolvesse anonimamente o material que removera.
No dia seguinte ao apelo, um milagre aconteceu. Milagre sem precedente na história da humanidade. O material foi devolvido. Todos os moradores doentes fizeram a terapia e se recuperaram bem.
Mas as pessoas estranhavam o grande conjunto de tecnologias do qual o governo tinha posse.
As águas foram descontaminadas, bem como os animais. Mas o que fazer com as plantas?
Então a política nacional se tornou um caos. Parece que o prefeito daquela cidade recusava-se a entregar ao governo federal algum tipo de tecnologia. As coisas aconteciam em sigilo mas o prefeito cuidou para que tudo vazasse para a imprensa. Viu nisso um maneira de se proteger.
Quando o Governo Federal descobriu que todo o povo da cidade tinha em suas casas pedaços do que queria, entrou em pânico. Como faria para reaver as placas?
Partiu para a justiça federal, tentando declarar a medida que instituía as placas inconstitucional. Até obteve resultado, mas não tinha como obrigar as pessoas a entregarem as placas. Já haviam se afeiçoado as tais.
Não existia lei que os obrigasse a entregarem a força as placas.
Então, foi espalhado um boato que a segurança nacional dependia das tais placas. Alguns acreditaram outros não.
Ouve então uma guerra na mídia. O governo declarava uma coisa aos repórteres, mas os cientistas diziam outra.
Alguns políticos simularam um escândalo político. O povo esqueceu a importância das placas, que iam sendo compradas por uma grande corporação. Quando o tumulto passou, o escândalo político já a muito estava abafado.
O Governo Federal desenvolvia um projeto ultra-secreto. Ninguém sabia ao certo qual a finalidade do tal. Só sabiam que era um projeto militar.
O prefeito da cidade teve acesso a informação. Quando adquiriu materiais advindos do projeto, achou por bem espalhá-lo em meio à população. Assim todo o povo teria uma peça-prova do que estava sendo desenvolvido. E o prefeito iria adquirir, prestígio e votos entre o povo. Aquilo o tornaria muito poderoso. Mas política é algo complexo. Sempre vence quem tem mais aliados e mais credibilidade. Obviamente o povo não acreditou na versão do prefeito acerca da conspiração. O povo dividido resolveu obter algum lucro com a situação. Os mais ávidos por dinheiro superfaturavam sua venda. Os acomodados achando o jogo político traiçoeiro, escondiam as placas. Houve quem entregasse as placas a parentes em outra parte do país. E os que entregassem diretamente ao Governo Federal para terem "a barra limpa". Restou alguns que devolveram os placas à prefeitura.
Surgiram então muitas lendas, até sobre o valor das placas.
Quem possuía alguma placa chegou a ficar rico. As lendas davam às placas um valor superior a toneladas de ouro. Isso ocasionou a supervalorização.
Então a cidade estava confusa. Havia os arrependidos, os felizardos, os aterrorizados, os desesperados, os interesseiros e... e... e...
O Governo Federal criou uma versão oficial sobre as placas. Versão essa que as fazia valerem menos que... “conversa fiada”.
Foi, então, instituída uma lei que tornava eletrônica a identidade. Todos os documentos passariam a ser substituídos por um único documento semelhante a um cartão de crédito. Mas ainda mais sofisticado. O seu material de fabricação era o mesmo usado nas placas. A população estranhou, mas em sua costumeira ignorância aceitou. Era melhor assim. Até porque diminuía o volume de papéis e documentos. Com a nova tecnologia até crianças podiam ser identificadas. Os cartões variavam de tamanho e podiam ser acoplados a correntes, relógios, cintos, bolsas, crachás, broche, chapéus, bonés e qualquer tipo de roupa ou peça do vestuário.
A novidade se espalhou rapidamente pelo país, e criou grupos favoráveis e contrários.
Novamente o povo quis saber como funcionava a tecnologia.
A verdade é que o objeto se não capitava parecia capitar os pensamentos. Todos se tornaram exibidos e orgulhosos. Uns querendo crescer pisando nos outros. A honra não era ser honesto. A honra era ter prestígio. E o povo começou a ficar sem idéias. Sem idéias o trabalho começou a não render.
Mas isso não era nada... Algumas pessoas começaram a desaparecer. E tanto nos jornais, rádios e revistas, como na própria televisão houve uma gigantesca onda de desaparecidos.
As autoridades não podiam explicar o fenômeno. E a cada dia mais e mais pessoas desapareciam, sem deixar vestígios.
E o país foi sendo tomado pelo terror. O tempo passou e só quem havia perdido o cartão ou não usava ficou. Todos os outros desapareceram. Sobrando desses apenas os cartões e os bens que deixaram para trás.
Quem restou evitava falar no episódio. O País retomou seu curso. Sem as crianças, jovens, adultos, idosos, homens e mulheres desaparecidos em conseqüência de uma lei.
O poder público fez valer suas atribuições e passou a obrigar as pessoas a usarem os cartões.
Quem tinha dinheiro e influência, evitava a obrigatoriedade.
Havia também os sortudos, que antes de serem presos eram salvos pelos misteriosos acontecimentos. A polícia e os militares também usavam os cartões, e também desapareciam.
O País entrou em crise. A falta das pessoas desaparecidas emperrava fábricas, colheitas, comércios, hospitais, escolas, e o próprio Poder Público...
Os desaparecimentos pareciam associados diretamente aos cartões, mas haviam desaparecidos que não estava de posse de seus cartões. Uma dúvida e um medo terrível pairavam sobre as pessoas. Todos se sentiam impotentes. Não havia quem os podia ajudar. Estavam a mercê do Poder Público e da misteriosa catástrofe.
Um dia, alguém caminhando, num fim de tarde, descobriu que a estrada fora interrompida por um abismo. O abismo era tão grande que sumia no horizonte. Só se via escuridão e silêncio no abismo. Logo todo o País ficou sabendo do Fato bizarro.
O Poder Público tentou tapar o abismo mas parecia que ele não tinha fundo. Os outros países tentaram ajudar, mas não puderam.
Então, começou a chover cartões sobre o abismo. E choveu tantos cartões que cobriram uma faixa de nove metro do abismo. Era possível caminhar sobre eles. E o pais passou a conviver com um pedaço de abismo cheio de cartões inúteis que tornava deserto o trecho.
Um dia, o País amanheceu sem o abismo. Restou apenas a faixa de sete metro feita com uma torre de cartões. Após ela um gigantesco cemitério circular. E as pessoas se reconheceram nas sepulturas e lápides. Fotos, frases, objetos cobriam um imenso esquecimento de tempos imemoriais vividos, distantes, idos...
E o ontem, o agora, a saudade, a tristeza, o Nunca Mais, o amor, a fé e a esperança se fundiram para além da razão. Geraram sombras, sombras dos vultos do passado. E a cidade, e o país, e o mundo passou a viver debaixo das sombras. Sombras dos que já passaram ao além. Tudo o que as pessoas faziam era regido por decisões, preceitos, acordos, aprendizados, crenças e vivências dos que não vivem mais. E o bem ou o mal era apenas herança, maldita ou bendita...

Trecho do livro "Eternidade"


O shopping está cheio, véspera de natal. Pessoas indo e vindo. Alguns sentados, conversando, esperando, olhando, pensando, comendo, passando tempo. Outros diante de vitrinas com artigos caros e desejáveis. Vez por outra toca um celular. Som quase imperceptível, dado o acúmulo sonoro da multidão. Sorrisos, gargalhadas, choro, gritos, murmúrio, som de passos e músicas.
Até o nome é tedioso de se dizer. Que nome? O nome de festas consagradas pelo mundo cristão. Estas foram recheadas, ao passar do tempo, com fábulas, mitos, dogmas e fantasias. Tornaram-se irreais. Ou pior, dias de festas imaginadas. Tanta tolice era somada a uma data importante, que a mesma findou-se em um momento vazio. Natal e Dia das Bruxas têm o mesmo valor. Embora, Jesus exista, e as bruxas não. Bruxas, não passam de folclore acerca de modos e estilos de pessoas que tendam para o sobrenatural e para o misticismo.
O natal se tornou algo desgastante. Tanto se massacrou a mente popular com o mesmo costume, com as mesmas atitudes, preconceitos, mitos, frases, que já não é algo mágico ou extraordinário. É apenas uma data hipócrita e entediante. Foi esvaziada pelas crendices populares. O aniversariante é menos importante que: a ceia, as festas, amigos ocultos, presentes, discursos... Quem é completamente ateu participa das festas pelas festas e quem é cristão faz o mesmo. Apenas mais um evento social.
No meio da multidão alguém se sente só. Um deserto, ou aquela multidão era a mesma coisa. As pessoas se ensimesmaram na mediocridade de seus dias sem reflexão. Prosseguiram os costumes e atitudes herdados de pais, avós e ancestrais mortos e ignorados. Prosseguiram sem refletir que: aqueles hábitos não foram vantajosos para os que se foram, por quê seriam para os que já viviam em outras comunidade, com outras circunstâncias.
A solidão, que causa tem? A multidão. Sim, a multidão que se vai alienada do próprio mundo em que vive. Hipócrita, acha que tudo está bem. Goza de paz. Paz forjada pela ignorância. Não está próximo da multidão o bom senso. “Se posso, por quê não?”.
Toda aquela prepotência isolou aquele alguém que se angustiava. Ele fora tocado pela própria existência, e não viu sentido na vida... nas coisas.
Três garotas adolescentes passam e olham curiosas um corredor lateral. O movimento foi rápido e elas voltam alegres e sorrindo. Uma comenta que o garoto esta lá. As outras ficam excitadas, também querem ver. E a ação se repete. O desejo domina cada uma das sete adolescentes. O rapaz, que provavelmente era o desejo de apenas uma delas, passou a ser a paixão de todas.
Um rapaz discute com o outro em baixo tom de voz. Sentia-se lesado e queria compensação.
Uma garotinha olhava uma vitrine com desejo nos olhos. A mãe agarra a garota e diz que o artigo estava além de suas possibilidades.
Uma moça passa chorando. Seu namorado pôs fim ao namoro de três anos. Descobrira que gostava de outra garota.
Em uma lotérica alguém gasta duas vezes o próprio salário.
Um casal passeia de mãos dadas. Enquanto a esposa olha as vitrines, o marido repara nas moças, curvas, pernas e vestidos. Sua mente viaja nos desejos quase ocultos.
Um rapaz tenta roubar uma carteira no balcão de uma loja. Sai sem nada. Ninguém percebe a ação. Todos se sentem seguros.
O dono de uma loja repreende o vendedor. Culpa-o do prejuízo que teve. Não percebe que o rapaz é inocente.
E assim, cada rosto traz uma emoção: felicidade, tristeza, alegria, angústia, depressão, esperança, exclusão...
Ninguém percebe o todo. Egoísmo e injustiça andam juntos.
Tanta injustiça. Tanta cegueira. Todos pensando que são justos. Que podem julgar os outros. Todos pensando que controlam seus destinos. Que o outro sempre está errado. Que o Eu é muito importante e inatingível.
Em sua mediocridade uma pessoa magoa a outra. Então chega uma ocasião de festa como aquela. E todos querem demonstrar apresso, dando presentinhos. Presentinhos estes escolhidos com base em uma série de preconceitos pessoais. Quando alguém presenteia outra pessoa, não pensa no que fez de bom ou ruim a ela. O costume está acima das relações.
Com estas reflexões alguém se isolava. Sentia-se só. Massacrado pela vida. Não encontrava ninguém que participasse dos mesmos sentimentos.
A pressão emocional irá adoecé-lo. Antes do que imagina a carne irá cobrar o preço da vida. E ele será mais um dos tantos que partiram sem respostas.
A vida é curta, e a consciência não serve para nada. Viver cada momento intensamente é o que importa. Refletir sobre a condição humana não muda nada. Sempre haverá diferença nos estágios humanos. Pessoas com mais e pessoas com menos. Pessoas governadas e pessoas que governam. E um abismo entre os dois extremos.
O sentimento daquele alguém na multidão foi crescendo. Via os outro e se percebia não fazendo parte da vida deles. Ele se perdia nos próprios pensamentos. Não era o rapaz que as garotinhas estavam admirando. Não era o patrão que possuía muito dinheiro e posição social privilegiada. Não era a pessoa que se regalava com comidas apetitosas. Não tinha a companhia de amigos que o fizesse rir e sentir-se importante. Ninguém reparava nele ali. Ninguém tinha interesse em saber o que se passava em seu interior. Ninguém deixaria sua vida medíocre para participar de uma descoberta tão revolucionária.
Olhou para o passado e viu que ele não brincava com as outras criança, assim como também elas não brincavam com ele. Todos brincavam sozinhos. O outro era apenas mais uma parte dos brinquedos. Mais um elemento que precisava estar presente para que a emoção de brincar se sucedesse.
Todos tinham que se adaptar a todos. Os filhos aos pais. Os pais aos filhos. Todos a comunidade e esta, por sua vez, a todos.
A necessidade do outro existia. O outro, porém, nunca seria o complemento. O outro precisava partilhar as sensações, os desejos, os sonhos, os momentos, as alegrias, os grandes feitos. Ninguém assim parecia existir.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Mulher bruxa bonita


Há muito... muito tempo, existiu uma cidade na Inglaterra chamada Gleikis.
Nesta cidade, morava um rei muito rico e sua rainha. Eles tiveram uma linda princesa, mas ao dar a luz, a rainha morreu.
Com o passar do tempo a princesinha foi ficando cada vez mais gordinha. Começou a agir estanho, porque achava que era uma vaca e vivia no pasto junto ao rebanho bolvino. O rei, cada dia que passava, sabia ler menos ainda, até que não sabia mais ler.
Certo dia chegou a cidade uma mulher muito feia. Por onde ela passava todos da cidade riam dela e a chamavam de bruxa.
Ela sempre andava com uma formiga na mão, era seu bicho de estimação.
A mulher foi ficando com raiva daquele povo e se tornou uma terrível bruxa. Mas seus poderes não funcionavam, pois ela era muito desastrada. Então, ela decidiu uma coisa: que iria passar todos os seus podres e magicas para sua formiga de estimação. E isto fez.
Então, viajou com sua formiga para outro povoado bem distante. Lá, foi encontrar um dragão que diziam ser muito poderoso. Ao chegar a caverna teve uma surpresa: câmeras e câmeras, o bicho estava gravando uma novela.
A bruxa disse:
— Cadê o dragão poderoso?
— Eu? Poderoso? Eu não! Eu quero ser é ator de novela!
Ela não demorou um minuto a mais na caverna. Foi logo para casa, pensando pelo caminho:
— Eu não tenho poderes, mas minha formiga tem! Vou fazer minha formiga me tornar bonita e ninguém vai me chamar de bruxa.
E toda a cidade admirava e invejava a linda mulher que chegara, sem perceber que era a mesma que vituperaram em outras circunstâncias.


Elisama

O segredo do feitiço


Num belo dia, uma bruxa desastrada subiu a um muro muito alto. Ela não sabia que em cima do muro havia uma formiga ilusionista que se transformava em dragão. Ao ver a formiguinha disse:
— Nossa! Uma formiga, era o que eu precisava para minha receita.
Mas uma coisa aconteceu, a formiga transformou-se em um dragão e falou:
— Você não vai sair daqui viva!
— Sou uma bruxa e faço o que você quiser, tudinho é só pedir.
— Eu quero ser ator de novela.
— Ora, isto é fácil, só precisa me deixar passar. Do lado de lá existe uma princesa que pensa que é uma vaca. Foi um feitiço feito por alguém mau. Se eu desfizer o feitiço o rei será grato e me concederá um desejo...
— Não posso fazer isto, sou do bem, e o rei que não sabe ler é meu amigo e pai da princesa.
— Mas eu sei como tirar o feitiço da princesa.
A bruxa sentiu que seria seu fim. Precisava convencer o dragão. Mas, desastrada como era, acabaria dizendo algo errado.
O dragão percebendo o desconcerto da feiticeira disse:
— Fale como posso desfazer o feitiço ou te prendo num lugar onde nenhuma magia funciona.
— Tudo bem! Vou falar. Mas se afaste que seu bafo de fumaça está impregnando minha roupa.
—FAAAAALEE LOGO!
— Você precisa pedir ao rei que leia o feitiço que esta escrito neste papel.
Estendeu a mão e entregou um papel encardido e com aparência de antigo.
O dragão ficou indignado e se voltou para a bruxa:
— O rei não sabe ler será impossível ler o que está escrito no papel. Vou te prender!
A bruxa percebeu o vacilo que deu. Ela mesma cuidara para que o rei nunca aprendesse a ler, pois sabia que seus feitiços sempre eram desfeitos se a parte interessada os lesse. Mas não poderia se entregar sem luta, e disse:
— Espere! Como pode saber que ele não irá conseguir? Você ainda não tentou?
E o dragão chamou o rei e lhe disse:
— Se Vossa Majestade ler o que está escrito neste pedaço de papel sua filha voltará a ser humana.
E, para a surpresa de todos, o rei leu. Imediatamente a princesa virou gente.
O dragão, intrigado, perguntou:
— Como pode ser isto?
— A princesa, minha filha, foi que me ensinou a ler, para que eu lesse contos de fada para ela enquanto pastava.
A dragão consegui uma vaga em uma novela do reino e a bruxa deixou o ramo de bruxarias e resolveu ser jardineira real. E todos viveram felizes para sempre... Será?

Vanessa

Com a venda nos olhos




“A alma generosa prosperará, e quem dá a beber será dessedentado..”
Pv. 11:25.


I
Da calçada alguém olhou a cena estático. Um homem de seus quarenta com um balde à mão retirando afoito água de um barco.
Tudo acontecia ali, ante os olhos curiosos de muitos transeuntes, que paravam em frente ao museu.
O barco estava dentro de uma piscina no centro daquele modesto Museu da história da Humanidade.
Havia, no fundo do barco, um orifício com tampa. Tirando a tampa, a água começava a entrar, quando já tinha água suficiente para encher dois ou três baldes o homem tampava o orifício, e punha-se a esvaziar o barco.
Assim ficou o dia todo.
Os funcionários do museu nada fizeram para impedir. A ninguém fazia mal. Talvez, descarregasse tensões da vida diária.
As portas se abriam e fechavam. Muitas pessoas adentravam os salões daquele edifício no centro da cidade.
O homem parecia cansado, mas não se dava por satisfeito.
Tampa. Água, tampa, balde, tampa.
Roupas molhadas, expressão de cansaço.
O barco se movendo sobre a piscina.
Todos se perguntando: O que faz este homem? Qual o seu objetivo? O que significa isso? Estará louco?
A tarde chegou e em seguida a noite. O homem foi expulso do Museu.
Luta de um dia inteiro. Em seus olhos um mistério. Em que pensava?
Balde à mão, foi descendo a rua principal. Chegou a uma casa pequena na periferia da cidade.
Um mato ralo e rasteiro cobria a frente da casa, que tinha um aspecto colonial. O portão rangeu ao ser aberto. Som de pássaros, som de veículos, início da noite.
Abriu a porta bem devagar. Estava exausto e com fome. Nada comeu. Deitou-se, dormiu.

II
Sonhou que um ser desconhecido e majestoso, dizia-lhe: “proponho-te um enigma: o que em vastidão cobre a terra, tem poder de vida e morte, mas nem por isso é um ser vivo, racional?” Veio-lhe ao pensamento “Será que estou vivo? O que vejo não parece racional”. E viu cenas de sua vida. E momentos de descontração. E alegria. E emoções intensa. E Uma voz lhe perguntou: “você nega que sentiu tudo isso? Então, por que em momentos de calamidade a vida te parece ruim? Você se ria nos bons momentos sem se preocupar com o mal que te poderia sobrevir.”
O ser traçava comentários acerca do imediatismo do homem e como só se importava com o agora. “O futuro não pode mudar as atitudes do presente. Uma pessoa se arrepende do passado, mas no agora não pensa que conseqüências terá suas ações. Não que não tenha consciência disso, antes porque busca o caminho mais fácil...”
E, ainda no sonho, um mar se abriu. E pessoas morriam afogadas. Ele nada podia fazer, e se frustou.
A seguir, viu-se em um deserto, sentiu sede.
Se surpreendeu ao ver água cristalina jorrar de uma pedra. O vislumbre se apossou de sua alma. Quando foi bebê-la se lembrou do enigma.
Rápido outra cena se sucedeu. Estava em um corredor e muitas portas se abriam.
Contemplava as belezas de tudo o que se encontrava do outro lado. Achava não estar pronto para entrar, e a porta se fechava. Daí a pouco outra porta se abria. O mesmo se repetia. Até que uma porta se abriu mostrando tortura e muita miséria. Ele se pôs a entrar. “Eu os vou ajuda a saírem dessa miséria.”
Obstruindo a porta não os deixava acessar a galeria, e isso os impedia de poderem escolher...
Não os pôde ajudar, o que precisavam estava naquele corredor.

III
A noite estava escura.
O vento fazia barulho ao passar pelos galhos secos de uma árvore próxima a janela. Convidava todos os seres vivos a se agasalharem e se refugiarem em suas casas.
Noite com promessa de frio.
Folhas caíam.
O silêncio só cedia ao som de insetos... corujas... cães.
O balde descansava, ainda molhado, abaixo de um quadro. Um caminho que morria entre as montanhas era a cena dele.
Sobre uma mesa um copo d’água, cheio até a metade.

Boneca de Barro


Seu tempo gastava em três coisas. A olaria, que recebera de um primo, já falecido. Os livros, que sempre comprava e em cuja companhia amava estar. E por último a marcenaria, esta seu ganha-pão. Todos o conheciam por seu trabalho em madeira, artesanal e caro. A fortuna lhe sorriu na vida, mas não lhe arrebatou o coração. Uma coisa, contudo, o incomodava, estava só. Só de uma viuvez opressiva. Dez longos anos de noites indefinidas e dias entorpecidos na labuta.
Uma imagem fixou-se em sua mente e o perseguia, uma formosa moça que vira na praça central. Guardou em seu coração: os gesto, o perfume, o olhar, as veste; e os movimentos graciosos da cabeça, dos braços, do andar. Tomado de reflexões esquisitas, se via como o possuidor de toda aquela beleza. Se imaginava tocando-a, beijando-a e assumindo o papel de homem.
"O pensamento gera palavras, as palavras geram ações e as ações denunciam as intenções". Após ler esta frase em um livro, concluiu que seria perigoso se entregar a um desejo como aquele. "É melhor fazer uma coisa... que apenas sonhar" — -refletia. Era tímido, buscava coragem para abordá-la. Mas a coragem não veio. Veio o sentimento de querer e não ter. Sentimento de exclusão, solidão, precisão e impotência.
Para qualquer outro homem, todas estas conjecturas são banais e absurda, para ele não. E a razão estava em que a ordem e a ética se uniam para brigar com a conduta, que contraditória, se não cruel, imbuída estava de certa perversidade.
Será que amava a desconhecida? Quanto mais pensava nisto, mais forte era o sentimento. Necessitava da idéia que fazia da moça. Era para a sociedade. Imaginava-se sendo observado ao lado dela. Com todos vendo o quanto ela era bonita. Em seus pensamentos ela era um troféu, que ele precisava ter. Sua mente cismou com tal pensamento, como pode? um homem, como ele, ser feliz enlaçado a dotes de estranha pessoa?
Sem misericórdia da circunstância, frustou-se no recôndito de sua casa, passado, distraído, a escrever. Compôs uma história. Nela a moça era tomada sem reservas, era possuída por direito de criação. Pesou-lhe a ética, e a caneta, já trêmula, parou. Aquilo não lhe parecia certo — a balança da reflexão. Com um embrulho descuidado cestou o conto. Em nome dos grandes momentos, que teve na vida afetiva, e para não mais martirizar o coração se pôs a ocupar as mãos. Tenho o que preciso, o que me falta? quem sabe, o tempo e as circunstâncias trarão. Pena desejarmos o que não podemos ou não devemos ter! — conjecturou.
Mas o medo de perder a oportunidade o angustiava. Uma força, sem senhor, inflou-lhe o peito. Vinha trazendo a um braço a curiosidade, a outro a necessidade, que, ao colo, sustentava, assentado, o desejo. Do barro surge uma miniatura de mulher, em tudo formosa, tal qual a cobiçada da tarde que lhe consumiu algumas horas. Era já noite, a fome resmungava a um canto da sala, segurando ao chão um cãozinho de olhos esbugalhados e corpo de finos contornos.
Apreciou, quis, rejeitou, refletiu, ponderou, chão com ela; e eram só cacos as horas que se passaram. Aquele procedimento lhe era estranho, tão estranho quanto o sentimento, que se recusava a ceder a seu domínio.
No dia seguinte, recolheu da lixeira os escritos proibidos. Os reavaliou. Depois de horas gastas em reformulá-los, um arrependimento. Tempo perdido? A tarefa árdua pareceu-lhe sem sentido, contudo ficara viciado e sempre queria mais. Rasgava, colava, queimava, refazia; tinha pesar, gosto, felicidade, tristeza, dúvida, desejo. Tinha loucura! Em sua mente buscava imaginar quem não se deixava afetar por tal sentimento, em sua opinião, um incoerente sentimento.
Ora lembrava-se da jovem com desejo, chegando mesmo a moldá-la com traços mais lindos, mais perfeitos, ora imaginava-a como seria ao envelhecer, ou se alguma doença a atingisse. Aquilo o torturava. Se ela era uma imagem bonita, causava-lhe desespero — por que não a abordei?—, se decrépita, aborrecimento — como posso ser feliz se não aceito a ação da natureza e do tempo na pessoa que amo? Lembrava-se de sua ex-esposa, vítima dessa mesma natureza.
Mergulhou no infindo mundo das reflexões. Foi engolido pelas palavras, até o ponto de elas não mais fazerem sentido. A vida lhe era pesada. Naquele momento os valores estavam sendo repensados. Tudo o que ele viveu cobrava espaço nos pensamentos. Precisava das fantasias para conter o ímpeto profundo da paixão, mas elas faziam com que aquilo crescesse, e trouxesse à tona o teor da vida. É como se ele tivesse caído em uma cisterna. Não se machucou na queda, mas não encontrava ninguém que pudesse tirá-lo de lá. Tudo era uma questão de tempo, só não sabia quanto e se ele agüentaria a espera.